- Bom dia, querida. Hora de levantar.
Despertei de meu
sono quando as janelas foram abertas e a claridade do sol invadiu meu quarto.
Esfreguei as mãos nos olhos e a vi sentar ao meu lado na cama e depositar um
beijo em minha testa.
- Bom dia, mamãe.
- Dormiu bem?
Assenti e ela
sorriu, e como ficava sorridente ao meu lado.
- Acho melhor ir se arrumar, daqui a pouco estamos indo pra casa da sua
avó.
- Mamãe.
- Fala.
Juntei toda coragem
que poderia existir dentro de mim e perguntei, com medo da resposta.
- Você e o papai vão se separar?
Internamente torcia
para ouvir “É claro que não, eu e sei pai estamos muito bem”, mas sabia que não
seria isso.
- Da onde você tirou essa ideia?
- Eu ouvi vocês brigando – minha voz saiu baixa.
- Devia parar de colocar coisas na cabeça, você ainda é pequena demais
pra entender.
Take a breath,
I'll pull myself together
Just another step, until I reach the door
You'll never know the way,
It tears me up inside to see you (aah-ah, aah-ah)
I wish that I could tell you something (aah-ah, aah-ah)
To take it all away
I'll pull myself together
Just another step, until I reach the door
You'll never know the way,
It tears me up inside to see you (aah-ah, aah-ah)
I wish that I could tell you something (aah-ah, aah-ah)
To take it all away
Abri os olhos e estava de volta aos dezenove
anos. Respirei fundo. Apenas um sonho. Não. Isso aconteceu de verdade. Um dia
antes de eles morrerem em um acidente de avião. Senti o choro preso em minha
garganta e logo decidi que ele não sairia dali. O relógio ao meu lado marcava
18h47. Tinha dormido demais.
Alguns dias se passaram e Bryan
não voltara na boate nem me procurara em casa. Já devia ter esperado por isso.
Mas enquanto estava lá, ainda havia uma ponta de esperança de vê-lo novamente
procurando por mim.
Caminhava para a boate, a pé,
como de costume, calçando uma bota de couro preta, uma saia da mesma cor que
tampava apenas 1/3 da coxa, uma blusa bem decotada vermelha e uma jaqueta jeans
que não cobria toda minha barriga. Adiantada, andava devagar pensando em como
gostaria de estar fazendo qualquer outra coisa ou indo a qualquer outro lugar.
Estudando para uma prova da faculdade, frequentando as aulas da autoescola,
limpando o cocô do cachorro ou até mesmo ouvindo minha mãe reclamar do quando
irresponsável consigo ser ás vezes...
O som alto da boate me fez
desviar dos pensamentos e perceber que já chegara. Tocava uma música cujo nome
era desconhecido por mim e uma súbita desanimação me invadiu quando vi minhas
“colegas” dançando. Indaguei a mim mesma como ficava lá em cima, no lugar
delas. Pedi um drink qualquer e tomei enquanto dançava desanimadamente perto do
balcão de bebidas. Depois outro, mais um, e novamente... Bebi até perder um
pouco a consciência do que fazia ali. Era melhor assim. No quinto drink, subi
na pista de dança e decidi que se fosse pra fazer aquilo, faria bem feito. A
música que animava o ambiente agora era Like a G6. Comecei a derramar o líquido
sobre meu corpo da forma mais sensual que conseguia, sem pensar duas vezes,
atraindo a atenção de alguns homens. Um deles aparentava ter mais do que 40
anos e certamente não fazia a barba a um bom tempo. Torci mentalmente para que
ele achasse meu ato nojento ou não tivesse dinheiro algum. Deus me perdoe.
Outro, encostado ao balcão de bebidas, segurava um copo com um líquido azul
dentro e me encarava curioso. Com certeza tinha menos de 25 anos, o que
melhorava as coisas para mim, usava uma camiseta branca e uma calça preta de
couro, com um supra dourado nos pés. A parte de cima do cabelo castanho escuro
estava para cima, me fazendo imaginar que ele usava gel. Apesar da consciência
um pouco afetada, percebi que ele tinha as duas orelhas furadas. Depois de mais
alguns drinks e várias músicas, sentia-me livre dançando como bem entendesse,
sem me preocupar com o que as pessoas ali pensariam. Mais um pouco de
consciência se foi. Olhei para o jovem à minha frente, ele se mantinha imóvel
exceto pelo movimento do braço que levava o copo à sua boca. Umedeceu os lábios
e sorriu de lado desviando o olhar do meu. Voltou a me fitar e levou a mão
desocupada à sua frente, fazendo um movimento com os dedos que indicava que era
para eu ir até ele.
Desci do palco com dificuldade,
minha visão falhara. Assim que me aproximei senti o cheiro forte de seu
perfume. Fiquei parada o observando e ele fez o mesmo. Chegou perto de meu
ouvido e disse em um tom alto por causa da música.
- O que acha de
sairmos daqui? – sua voz era rouca e me provocou um arrepio na espinha.
- Estava
esperando por isso – respondi no mesmo tom.
Antes que ele pudesse dizer
alguma coisa, o homem de 40 anos se aproximou e segurou meu braço com sua mão
gelada.
- Quanto custa a
hora?
Sou prostituta e isso estava
claro pra mim, mas não gostei do jeito como ele perguntou.
- Ela já está
comigo – o menino de orelhas furadas disse sério.
- Não falei com
você – o senhor retrucou e fez uma expressão de desprezo.
No segundo seguinte, o homem
barbudo estava caído no chão levando soco atrás de soco. As pessoas abriram uma
roda ao nosso redor para observar a briga onde só um apanhava. Não tive reação.
O barman saiu rapidamente de trás do balcão e separou os dois. O velho ficou no
chão com o rosto escondido, e o menino que ainda não sabia o nome passou a
costa da mão esquerda pela boca. Não tinha um arranhão no rosto e muito menos
algum sinal de sangue.
- Olhe com quem
está se metendo. E até parece que ela iria querer transar com um velho nojento
como você – sua voz saiu tranquila e ele riu debochadamente.
Lançou-me um olhar suave e saiu
andando. Em um minuto ele estava batendo em alguém e no outro calmo como se
nada tivesse acontecido. Segui-o abrindo espaço entre as pessoas que voltavam a
dançar, beber, conversar ou seja lá o que estivessem fazendo. Na rua, ele
destravou um Mustang prata e preto que estava estacionado de frente à entrada
da boate.
- Entra. Vou
fazer uma ligação e já volto.
Entrei no carro e senti
novamente o cheiro de seu perfume. Encarei o porta-luvas e pensei em abri-lo,
mas decidi que aquilo não seria certo. Infelizmente estava inconsciente o
suficiente para decidir alguma coisa. Abri e encontrei um pano que julguei ser
para limpar o vidro nos dias de chuva, um pacote de algodão, um punhado de
esparadrapos, um pequeno frasco com álcool, e o mais interessante: uma foto do
garoto ao lado de uma mulher morena, parecia ser mais velha que ele, mas não
muito. Diria que uns cinco anos. Fechei o porta-luvas depois de guardar tudo lá
dentro e após uns cinco minutos a porta do motorista se abriu e me assustei
antes de vê-lo sentar-se no banco.
- Só para não
ficar pensando em você como “o menino de orelhas furadas” ou “o jovem”, posso
saber seu nome?
Ele riu fraco e fixou o olhar em
meu joelho.
- É Justin.
Justin Drew Bieber se quer saber. Mas me chame como quiser. E quanto ao seu?
- Megan.
Ele assentiu umedecendo os
lábios novamente e deu a partida.
Justin.
Chegamos em um motel considerado
o 2º melhor de Las Vegas. Tinha estado lá apenas duas vezes que me lembre. E
algumas coisas haviam mudado. As cores dos quartos agora eram vermelha e preta,
o banheiro ganhara uma pia mais moderna e uma banheira maior. A iluminação
também estava melhor.
Justin preferiu o “pacote
completo”, melhor dizendo, os preliminares. Seu corpo era quente, em
contrapartida o meu era gelado. Não tinha músculos incrivelmente bombeados, mas
percebi que estava trabalhando nisso. Ele me tocava com carinho e ferocidade ao
mesmo tempo. Gostava quando gemia e sussurrava seu nome. Conseguia me fazer
arrepiar com um simples toque ou palavra murmurada. Depois de fazermos tudo que
podíamos na cama, fomos para o chuveiro, e depois para banheira. Já fazia um
bom tempo que estávamos transando e mesmo assim o cansaço ainda não chegara.
Ele não me tratava como uma prostituta qualquer e essa era uma das melhores
coisas nele, além de ser o melhor sexo que já tivera. Justin decidiu que
dormiríamos no motel, e eu não neguei, pois àquela altura não teria animo pra
outro homem. Na cama, antes de pegar no sono, ouvi-o dizer algo que me deixou
acordada por mais certo tempo.
- Seria difícil
encontrar uma prostituta tão boa quanto você.
Sua voz demonstrava o cansaço
juntamente com a respiração ofegante. Resolvi não dizer nada. Foi a melhor
noite que tive em muito tempo.
Singing Radiohead at the top of our
lungs
With the boom box blaring
As we're falling in love
I got a bottle of whatever
But let's get in this truck
Singing, here's to never growing up
With the boom box blaring
As we're falling in love
I got a bottle of whatever
But let's get in this truck
Singing, here's to never growing up
A voz de Avril Lavigne me
acordou de um sono profundo. Olhei para o visor de meu celular e era um número
desconhecido. Tentei imaginar quem seria mas estava muito sonolenta para isso,
e a dor de cabeça já se fazia presente. Atendi.
-
Alô.
-
Vejo que alguém acabou de acordar. Sabe que horas são? – uma voz conhecida disse,
mas ainda não reconheci.
-
Desculpe, quem é?
-
Bryan. Não me diga que já se esqueceu de mim – ele pareceu desapontado.
-
É claro que não. Mas como conseguiu meu número? E pensei que não me procuraria
mais.
-
Consegui na boate. Eu andei ocupado resolvendo umas coisas, por isso não voltei
lá.
-
Entendo – disse bocejando.
-
Trabalhou essa noite?
-
Sim.
-
Eu estava pensando em te chamar para ir a um lugar hoje, se você melhorar da
ressaca que imagino que esteja. É um jogo de basquete às 17 horas.
-
É tarde, Bryan. Eu preciso ir trabalhar.
-
Se for assim eu pago como se fosse uma noite, já estou te devendo mesmo.
-
Sendo assim... Você passa na minha casa que horas?
-
Esteja pronta às 16h15.
-
Certo, até mais tarde.
-
Até.
Desliguei e tratei de anotar o
número dele. Percebi que Justin já não estava mais na cama e me lembrei da
noite maravilhosa que tive ontem. O relógio do celular marcava 13 horas e não
me impressionei, considerando a hora que devia ter ido dormir. Fui até o
banheiro e vi Justin tomando uma ducha. Ele me chamou para juntar-me a ele e
foi o que fiz. Não transamos novamente, o máximo que rolou foram alguns
amassos. Não trocamos sequer uma palavra. Sai primeiro do banho e coloquei a
mesma roupa de ontem e deitei-me na cama o esperando. Minutos depois ele
apareceu com uma cueca box cinza e o cabelo molhado. Vestiu-se colocando uma
bermuda preta e uma camiseta xadrez fechada, e no pé calçou um supra preto.
Voltou para o banheiro e depois voltou com o cabelo penteado pra cima.
-
Vamos comer uma macarronada em um restaurante que tem aqui perto? Dizem que é
um dos melhores da região.
-
Hm, eu preciso ir para casa se você não se importa. Exagerei na bebida ontem e
preciso melhorar, pois tenho um compromisso mais tarde.
-
Sem problemas. Mas eu tenho remédio aqui e não pretendo demorar lá.
Sorri em resposta e ele
entendeu.
-
O comprimido está na primeira gaveta do criado-mudo ao seu lado.
Depois de tomar o remédio,
passamos na portaria, ele acertou as contas, e fomos andando até o restaurante.
As pessoas que diziam ser a melhor macarronada da região estavam completamente
certas.
-
Faz quanto tempo que... – ele hesitou ao continuar.
-
...eu faço isso? – completei. Justin
confirmou com a cabeça.
-
Cerca de um ano.
-
Devo dizer que para uma novata você é muito boa. – senti minha garganta travar.
-
Obrigada.
Terminamos de comer conversando
pouco. Quando voltamos ao carro ele perguntou quanto me devia, e quando disse
ele me entregou o dobro do cobrado, dizendo que merecia mais. Ele me deixou na
porta de casa e me despedi com um selinho, imaginando que nunca mais fosse
voltar a vê-lo. Troquei de roupa colocando uma camisola grande e me deitei no
sofá. Faltava 1h45 para ver Bryan e a dor de cabeça já havia passado. Meu corpo
ainda doía um pouco mas não era algo que me impediria de ir ao jogo. Vi o final
de um filme chamado “Planeta dos Macacos” e depois fui me arrumar. Coloquei um
short jeans que ia até a metade da coxa, uma camiseta polo listrada das cores
branca e vermelha, e calcei um All Star branco. Peguei a bolsa e quando ia
saindo para esperar Bryan lá fora seu carro apareceu diante do meu portão
buzinando. Tranquei tudo e corri para o carro. Quando o vi logo o presenteei
com um abraço forte e vários sorrisos, que foram retribuídos.
-
Como você está?
-
Estou bem e você? Achei que não voltaria.
-
Estou ótimo. Não pense besteira.
-
Não estou pensando. É que você não me pagou e eu não sabia onde te encontrar.
Ele riu me fazendo rir junto.
Fomos o caminho todo cantando as músicas que tocavam no rádio, ou pelo menos a
maioria que conhecíamos. Chegamos em um lugar deserto onde tinha um
estacionamento típico de mercado e o que parecia ser um ginásio.
-
Nunca estive nesse lado da cidade.
-
Poucas pessoas vêm aqui.
Quando sai do carro notei outros
– aproximadamente dez – estacionados. Bryan passou o braço pelo meus ombros e
fomos andando em direção á porta. Devo dizer que ele estava estranho e
engraçado com roupa de jogador de basquete, ficava enorme dele. Sentei-me na
arquibancada e observei que só tinha eu ali para assistir ao jogo, Bryan desceu
as escadas e se juntou a outros meninos aparentemente da mesma idade dele. Um
deles me chamou atenção. Tinha as mesmas tatuagens de Justin e olhava
atentamente no celular, mas estava de costa e não conseguia ver o rosto. Quando
ele se virou e percebeu minha presença na arquibancada, tive certeza de que era
ele. Primeiro me olhou desconfiado, talvez não me reconhecera. O jogo começou e
frequentemente Bryan olhava pra mim e acenava, Justin evitava me olhar. Depois
de um bom tempo de jogo, o menino que era o juiz apitou encerrando a partida.
Bryan ganhou do outro time com uma diferença de 11 pontos. Ele subiu as escadas
e se aproximou sentando-se ao meu lado. O cheiro de suor logo se instalou ali.
-
Me daria um beijo agora?
-
Se você me pagasse por umas sete noites, eu poderia cogitar pensar no caso –
sorri.
Desviei o olhar e vi Justin
subindo as escadas seguido de outros quatro meninos.
-
Então esse era seu compromisso, hein?
-
Vocês se conhecem? – Bryan perguntou antes que pudesse pensar em algo para
dizer.
-
Na verdade, estava com ele essa noite.
-
Então é ela a melhor prostituta de Las Vegas? – um dos meninos atrás de Justin
perguntou e senti meu coração bater mais forte. Mas que grande merda.
-
O que? Qual é, Justin! Você não tem o direito de sair falando coisas assim, tá
achando o que? – Bryan se levantou ficando à altura de Justin e elevou a voz.
Desejei não ter ido. Sabia o que
acontecia com quem irritava ou retrucava Justin. E torci para que ele estivesse
calmo e bem humorado hoje.
Continua...